terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Diário de Justiça Eletrônico fere Constituição

"A justiça, se for segura, não é rápida, e, se for rápida, não é segura"
Francesco Carnelutti.

O Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas (TJAM) resolveu implementar o Diário de Justiça Eletrônico (DJE), o que se deu através da Resolução 038/2007, publicada no Diário Oficial do Estado (DOE) de 20.12.2007.
A providência atende ao comando da Lei 11.419/2006, a qual, alterando o Código de Processo Civil (CPC), estabelece regras para a informatização dos processos judiciais.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já regulara a matéria e anunciara como data inicial para a operação do DJE o dia 31.12.2007, mas acabou por adiar, alegando problemas técnicos, para 29.02.2008. O TJAM, também, depoisde indicar a data de 08.01.2008 para o início das atividades do DJE, tomou a mesma decisão, deixando o assunto para fevereiro próximo.
O motivo para o adiamento, embora ainda não haja decisão a respeito, por um gesto de prudência dos tribunais, pode estar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3880) que o Conselho Federal das Ordem dos Advogados do Brasil move contra os artigos 1, III, b; 2; 4 e 5; e 18 da Lei 11.419/2006. O relator do processo é o ministro Ricardo Lewandoski.
De toda sorte, penso que o adiamento veio a calhar. Ninguém duvida das boas intenções dos legisladores e dos tribunais ao cuidarem do tema. Afinal de contas, a maior reclamação dos brasileiros, no âmbito do Judiciário, diz respeito à morosidade dos trâmites processuais. Logo, a utilização de uma tecnologia avançada como a rede mundial de computadores, para agilizar o fluxo das ações e, por conta disso, dar maior celeridade e eficiência à prestação jurisdicional, é mais do que desejável.
Ocorre que, diante da nossa realidade, o DJE, na forma em que se acha descrito na norma legal, pode ofender, de fato, princípios constitucionais, em especial o da publicidade dos atos do processo, resultado este, diametralmente oposto aos fins que o inspiraram.
Se estivéssemos, por exemplo, no estágio em que se encontram os EUA, com amplo acesso dos cidadãos ao espaço cibernético, não haveria grandes traumas. No Brasil, todavia, segundo o Comite Gestor de Internet, em dados que vieram à lume no estudo feito pela OAB Nacional para embasar a ADI 3880, há um número fantástico de pessoas excluídas da rede. Apenas 20% possuem computadores em casa; 66% nunca navegou na web; e somente 46% dos nossos municípios têm provedores de Internet.
É de se observar, a propósito, que a Lei 11.419/2006, acaba com a comunicação das decisões judiciais em papel, no DOE, estabelecendo, como se isso não fosse o bastante, para os advogados que se cadastrem no sistema dos tribunais, a intimação direta, sem necessidade, inclusive, de veiculação no DJE.
Haverá, portanto, grande restrição ao conteúdo processual.
E isto não é possível, nos termos do art. 5, LX e 93, IX, da Constituição Federal, os quais dispõem, respectivamente, "que a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem" e que "todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos".
A regra, no direito brasileiro, portanto, é a da publicidade, que representa, além do mais, uma garantia para diferentes destinatários, v.g. : a) ao povo, a quem interessa saber o que se passa no âmago de um poder da República; b) às partes, como elemento indissociável da ampla defesa e do contraditório; c) aos advogados, para o pleno exercício profissional; d) para os magistrados, quanto à imparcialidade de suas decisões.
Só por exceção pode-se limitar o conhecimento dos atos e termos de processos (art. 155 do CPC).
Há uma saída, porém. Como a Lei 11.419/2006 não impõe, mas faculta a criação do DJE para os tribunais, acredito que o TJAM deva, primeiramente, aguardar a decisão de mérito da ADI 3880. Uma alternativa bastante razoável, no entanto, a despeito dessa decisão, seria manter as duas publicações, no DOE e no DJE, até, pelo menos, o dia em que ter um computador em casa seja tão comum e barato quanto possuir um aparelho de telefone celular. É que, em termos de publicidade processual, quanto maior o número de pessoas atingidas, pelos mais variados meios, melhor.

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